terça-feira, 6 de setembro de 2011

Saltos do Samurai Malandro ou Chuvas do Cachorro Louco ou o Bandido que Sabia Latim

O Brasil tem muitas coisas, apesar de tudo. Tem um extenso território, apesar de tudo. Fala só uma língua, apesar de tudo. Tem uma grande diversidade cultural, apesar de tudo. Tem muitas riquezas, apesar de tudo. Tem grandes artistas, apesar de tudo. Se diz até que é um país feliz, apesar de tudo.

E apesar de tudo, e esse tudo tem tanta coisa nele, o Brasil tem grandes poetas, e não só aquela grandeza nobre, de coroa e cadeira, de academia, de letras.

Eu digo de poesia, essa que tem de se deixar debaixo da língua até dissolver na vida.
Essa, a linguadem da paixão, ou a paixão da linguagem, como num ensaio de Leminski.
Desses sujeitos que se bobear, fazem chover no nosso pequenique.

Que querem ser exatamente aquilo que são: o além.



Foi seu aniversário semana passada, e aniversário é isso: desculpa. Chegamos atrasados, como se andássemos mais adiante. E já que o porraloca nos fez o desfavor de dar a moeda pro barqueiro antes do tempo, e sempre seria antes, nós vamos por aqui, por aí, sentindo o gosto da sua língua do tamanho do caminho de curitiba até o japão e do japão até o seu céu o lá o léu o vil véu que nos separa de todo esse nada:

INVERNÁCULO

    Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
    Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
    Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
    Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
    uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
    O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
    eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

...


   nunca sei ao certo
se sou um menino de dúvidas
    ou um homem de fé

    certezas o vento leva
só dúvidas ficam de pé

...


leite, leitura,
letras, literatura,
    tudo o que passa,
tudo o que dura
    tudo o que duramente passa
tudo o que passageiramente dura
    tudo, tudo, tudo,
não passa de caricatura
    de você, minha amargura
de ver que viver não tem cura

...

desastre de uma idéia
só o durante dura
    aquilo que o dia adiante adia

    estranhas formas assume a vida
quando eu como tudo que me convida
    e coisa alguma me sacia

    formas estranhas assume a fome
quando o dia é desordem
    e meu sonho dorme

    fome da china   fome da índia
fome que ainda não tomou cor
    essa fúria que quer
                            seja lá o que for

...


 ERRA UMA VEZ


           nunca cometo o mesmo erro
        duas vezes
           já cometo duas três
        quatro cinco seis
           até esse erro aprender
        que só o erro tem vez

...


 °

     eu ontem tive a impressão
que deus quis falar comigo
     não lhe dei ouvidos

     quem sou eu pra falar com deus?
ele que cuide dos seus assuntos
     eu cuido dos meus
...


ICEBERG


    Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
    Uma prática pálida,
três versos de gelo.
    Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
    não seja mais possível.
Frase, não, Nenhuma.
    Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
    um piscar do espírito,
a única coisa única.
    Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
    (ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.
...


III


Esse estranho hábito
escrever obras-primas,
não me veio rápido.
Custou-me rimas.
Umas paguei caro,
liras, vidas, preços máximos.
Umas, foi fácil.
Outras, nem falo.
Me lembro duma
que desfiz a socos.
Duas, em suma.
Bati mais um pouco.
Esse estranho abuso,
adquiri faz séculos.
Aos outros, as músicas.
Eu, senhor, sou todo ecos.

...



Não, não cansa. Des cansa. A vista o ouvido a mente o coração.
E não vai ser eu quem vai dizer esse sim, esse não, deixa Àlice, que sabe o que diz:

Esses poemas, mais que quaisquer outros,
estão cheios de noites e madrugadas adentro.
Cheios de uma dor tão elevada
que é capaz de nos fazer rir, apesador de tudo.
Cheios de dias na vida de uma luz.
São poemas de vitalidade, apesar do adeus...

Ruiz

No começo do ano em plena mostra de cinema em tiradentes, entre um filme um vinho e um paralelepípedo, deparei-me com o Ex-isto, que eu recomendo para todos que queiram apagar-se diluir-se desmanchar-se até que de mim de nós de tudo não reste mais que o charme:

 

E é o mesmo pessoal que fez o tão esperado documentário sobre o itamar assumpção.
Falo mais nada, falaí:

Moinho de versos
Movido a vento
Em noites de boemia

Vai vir o dia
Quando tudo que eu diga
Seja poesia

Pra terminar, um presente pra gente: o Bandido que Sabia Latim , com músicas feitas pelo cara que tem o bigode mais style que o nietzche. Fica aqui um convite pra quem quiser se debruçar, como catatau, nas águas da desrazão.

Vai me olhar com outros olhos ou com os olhos dos outros?

vida e morte
amor e dúvida
      dor e sorte

      quem for louco
que volte

    Ainda em tempo, um documentário pequeno sobre ele, bom demais, ótimos depoimentos.
    De quem sabe o que está fazendo, vivendo, inscrevendo. 
    Paulo Leminski - Ervilha da Fantasia (1985):

3 comentários:

  1. Bom tomar doses de Leminski nessa tarde!

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  2. Bom demais, Igor!!!
    Agora estou transbordando, nesta tarde vazia...

    Abraços!

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  3. Meu bem, bem que você podia
    pintar na sala
    da minha tarde vazia!

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