terça-feira, 25 de março de 2014

Verdadeiramente Pobres - Eduardo Galeano

Pobrezas

    Pobres, verdadeiramente pobres, são os que não têm 
tempo pra perder tempo.
    Pobres, verdadeiramente pobres, são os que não têm
silêncio e nem podem comprá-lo.
    Pobres, verdadeiramente pobres, são os que têm
pernas que se esqueceram de andar, como as asas
das galinhas, que se esqueceram de voar.
    Pobres, verdadeiramente pobres, são os que comem
lixo e pagam por ele como se fosse comida.
    Pobres, verdadeiramente pobres, são os que têm o 
direito de respirar merda, como se fosse ar, sem pagar
nada por ela.
    Pobres, verdadeiramente pobres, são os que não têm 
liberdade senão para escolher entre um e outro canal
de televisão.
    Pobres, verdadeiramente pobres, são os que vivem
dramas passionais com as máquinas.
    Pobres, verdadeiramente pobres, são os que sempre
são muitos e sempre estão sós.
    Pobres, verdadeiramente pobres, são os que não sabem
que são pobres. 
 


sexta-feira, 21 de março de 2014

Uma estranha espécie animal - José Carlos Balieiro

À margem

Nos arredores da minha cidade natal 
Solitariamente apartado das gerações
Percorro matas, grutas e plantações
Como uma estranha espécie animal.

Conheço tão poucos lugares.
Nem sei em que mundo vivo.
De informações, sorrateiro me esquivo.
Vago entre pastos e pomares.

À noitinha retorno a cidade iluminada.
Pessoas, automóveis, velocidade alucinada.
Na minha casa, certo silêncio, nada se move.
Eu, absorto, leio um romance do século dezenove.


 *pic: reprodução de obra de Fábio Baroli




Tripalium

"A origem da palavra trabalho vem da 
forma latina tripalium, um instrumento de
 tortura usado na roma antiga, formado por 
três estacas de madeira cravadas no chão, 
onde os escravos eram amarrados para o suplício."


Acordo somente quando sonho
Sonho por não querer acordar
Se acordo, sigo entre os sonâmbulos
A noite é longa, os versos não.....
Não é o sol isto que clareia na horizonte
É uma afta infeccionada no céu
No céu da boca aberta de Deus.

Nas primeiras horas da manhã
As faces ainda preservam incertos resquícios
De tudo que se viveu na inebriante inércia do leito.
Por debaixo desses cobertores que nos encobrem
Onde os corpos descobrem corpos astrais.
Na profundidade de si, criaturas abissais.

Despertadores despertam pessoas
que se misturam nos metrôs 
que se apertam nos ônibus
A cidade funciona, pessoas funcionam
Neste pequeno sonho cotidiano de todos.
Sem que todos queiram.  
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