terça-feira, 4 de setembro de 2012

Equivocos - Lucas F. L

1º Equivoco
 
O tempo seco
“cuidado
qualquer inflamação na garganta pode te levar a óbito”

Mas fique calmo
consulte seu plano de saúde

A cidade
um deserto
respiração
poeira

Quem passa pela praça
escuta apenas ciganas rogando pragas

“as mãos estão todas iguais”

No termômetro
38º
 2º Equivoco

A pipoca jogada ou acidentalmente perdida
é disputada num lance de dados por pombos
e por seres cinzas enrolados em cobertores.
Esses por sua vez
evitam o mínimo movimento durante as noites,
qualquer gasto de gordura pode ser fatal
...
O SENSACIONAL de ontem
encontra-se nas mãos de um barbudo sensato

papel vagabundo
traçando o exagero
e a extravagancia

logo a frente
motoristas que passam por uma moto sem a roda da frente
riem do poste sacana

muletas pra quem te quer!
3º Equivoco

Eu sei...
é mais uma impressão óbvia
mais uma chateação escrita

mas

é nesses pedaços providos de domingos mal dormidos
que percebo qual é o tipo da força humana

Presumo que...
essa força
é a mesma do capim gordura sob o sol
praga invasora de terrenos baldios
que não se resolve com poda
ou guilhotina

Você envelhece e morre
e a humanidade insiste no erro
sufocando flores silvestres
e abrigando em sua vegetação rasteira
um mundo de carrapatos

 
 pic's: Minotauros ilustrados por Picasso

O Cemitério dos Vivos (trechos)



Essa questão do álcool, que me atinge, pois bebi muito e, como toda gente, tenho que atribuir as minhas crises de loucura a ele, embora sabendo bem que ele não é o fator principal, acode-me refletir por que razão os médicos não encontram no amor, desde o mais baixo, mais carnal, até a sua forma mais elevada, desdobrando-se num verdadeiro misticismo, numa divinização do objeto amado; por que – pergunto eu – não é fator de loucura também?

Por que a riqueza, base da nossa atividade, coisa que, desde menino, nos dizem ser o objeto da vida, da nossa atividade na terra, não é também a causa da loucura?

Por que as posições, os títulos, cousas também que o ensino quase tem por meritório obter, não é causa de loucura?

...

Eu sou dado ao maravilhoso, ao fantástico, ao hipersensível; nunca, por mais que quisesse, pude ter concepção mecânica, rígida do Universo e de nós mesmos. No último, o fim do homem e do mundo, há mistérios e eu creio neles. Todas as prosápias sabichonas, todas as sentenças formais dos materialistas, e mesmo dos que não são, sobre as certezas da ciência, me fazem sorrir e creio que este meu sorriso não é falso, nem precipitado, ele me vem de longas meditações e de alanceantes dúvidas.

Cheio de mistério e cercado de mistério, talvez as alucinações que tive as pessoas conspícuas e sem tara possam atribuí-las à herança, ao álcool, a outra qualquer fator ao alcance da mão. Prefiro ir mais longe...






O que há em mim, meu Deus? Loucura? Quem sabe lá?

Lima Barreto
Escreveu esse livro/relato internado no Casarão da Praia Vermelha ( Hospício Nacional ), do natal de 1919 a fevereiro de 1920, vindo a falecer dois anos depois
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