quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Agente tamo junto: Como era bom escrever errado.





    Uma coisa há muito me incomoda, mas só recentemente é que me tirou noites e noites de sono: a gente estar errada ao escrever agente.

    Nunca fui bom em escrever certo, minha tendência à poesia vem mais pela transgressão e imaginação do que pelo "amor às letras". As quais, aliás, nunca tive um relacionamento lá muito afeito, nem cultivo por elas muito respeito. Escrevia errado que só. Inclusive agente. Mas comecei a reparar que as pessoas quando percebiam que algo estava errado não conseguiam tirar proveito de nada que havia ali, sentiam alguma coisa no estômago que eu num sei bem como descrever, e faziam uma careta feia de nojo como se a gente tivesse levado um pedaço de carne podre às suas narinas.

     A poesia, no entanto, parece libertina. Quase achei que poderia ali fugir ao imperativo certo/errado. Ledo engano. É lá que as coisas realmente se parecem com o que são: leis arbitrárias e sem sentido e zumbis (até porque a linguagem é isso, né?). Ora, um poema hoje em dia aceita tudo: dialeto virtual, regionalismos, onomatopeias. Mas insira um "agente" sem trocadilho intencional nem qualquer contextualização... A sarjeta e o desprezo o aguardarão. Lulu Santos pagou os capangas poetas marginais apenas para assassinarem a métrica que já estava agonizante, a gramática eles apenas assaltaram.

     Esses dias mesmo fui confrontado a isso: no meio de uma conversa falávamos da beleza das interações linguísticas e um bom estudante das humanas declarou que atualmente estava com muita preguiça de errada escrita. Disse a ele "mas é belo & belo" e perguntei "coisas como o que?". "A gente junto não dá pra aturar" - respondeu o estudante.

       Sim o a gente. Essa expressão (é isso mesmo, uma expressão?), penso, é onde se encontra o ponto de tensão mais exacerbado entre a galera do fundão e a professora de óculos e saia azul opaco abaixo dos joelhos. É aí que a academia segura as rédeas, mas não me posicionarei (contra o pensamento endêmico acadêmico), tenho sofrido muito por tomar tantos posicionamentos. Todos eles de um extremo radicalismo lunático. Depois de ser tantas vezes reprovado na academia estou começando a aprender a manter um distanciamento crítico, a me manter separado. Embora lá no fundo minha filosofia de vida que clama por amor e paz e acredita que somos mutantes uma pessoa só ache que a gente tem mais é que ficar tudo junto.

      No mais o agente torna todo mundo senhor de si quando tamo junto (e não todo o mundo). Agente de seu próprio destino, o que seria inevitável, se não viesse sempre uma carranca dizer-nos que temos sempre que separar tudo a fins de catalogação. Até porque quando escrevo que a gente foi à padaria sempre fico os vendo descer a rua por entre as grades da janela.

 
                     "Até porque quando escrevo que a gente
                foi à padaria sempre fico os vendo descer
                 a rua por entre as grades da janela." 
  

     Não vos parece que são eles sem mim: a gente? A gente desceu do ônibus é uma frase vista de cima, por um narrador onipresente ou de uma sacada de apartamento no centro. É diferente do a gente que agente diz e por isso justifica escrever de outro jeito, mesmo que não saibamos justificar. Agente desceu do ônibus, eu, o Beto e o Gilmar e fomos orçar a camisa da formatura - né não, terceirão! Estamos nós juntos, misturados e agindo coordenadamente sem a necessidade de um líder proclamado, portanto, imbuídos de poder.

      Acredito mesmo nisso. As línguas refletem nossa ideologia: movimento oposto à esse que tenta separar a gente seria o movimento rastafarI que inseria a palavra "eu" em quase todas as palavras.

       Mas não levem isso muito a sério, são só divagações de alguém que escreve muito e que demorou pacas para aprender os adornos mínimos exigidos para veicular impulsos em letras. Lembro de um poema em que escrevi "atoras francesas antigas" e me doeu muito arrumar. Mesmo sabendo o certo e sendo o certo mais bonitas e curvilíneas e meigas: as atrizes são muito mimadas! Queria me referir - mas que coisa impossível! - às atoras mesmo.

      Quanto às vírgulas, tenho me acostumado, a elas, quando não sei bem, quando colocar, saio virgulando tudo, de modo, que parece que a gente tá, viajando, naquele ponto da rodovia, onde ela atravessa cidade, e tem quebra-molas, pra porra!
   
        Antes preocupava apenas com o espírito do escrito e que ele (como eu) estivesse usando uma roupa velha rasgada e que lhe assentasse bem. Devo admitir que sou mais versado em dar nó em gravata de texto do que em amarrar meus tênis (embora saiba bem pouco sobre as gravatas dos textos). Aos textos são exigidos, além de se passar e engomar, que a meia combine com o detalhe do colarinho. Deve ser por isso que os capitalistas e operários acham escrita coisa de moçoila. 



Vinicius Tobias
      

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

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