sábado, 13 de junho de 2020

Pó ética + gif poema

Ir go pra quem não sabe, além de um anagrama do meu nome, é um pleonasmo bilíngue, tipo "short curto", o que não quer dizer absolutamente nada.
Pra quem acha que trocadilho não é matéria pra poema, fique à vontade ou com vontade aí no seu vanguardismo marginal, sua alta filosofia ou seu super intelecto supracadêmico, querendo dizer absolutamente tudo.
Enquanto vocês se importam demais na lucidez da crítica. Eu me exporto mais na ludicidade da vida.
Como quem curte um som, fazendo malabarismos com vibrações acústicas, arte também chamada de música.
A vocês, todas as honrarias e profundidades da eternidade artística.
Eu fico de boa na efemeridade da superfície ávida e vívida.

Prefiro
ferir
rir
ir
i
!
Sempre
a palavra poderá ser quebrada
Pá e lavra
que brada
nas lavras do dia ah dia
Talvez eu encontre
um bruto diamante
ou quem sabe, a brutal:

p o e s i a

{ ir go }





diOli

Na dimensão da quarentena - Crônica fotográfica

















































Aqui os dias passam como se fossem
indiferentes ao resto do mundo
uma dimensão própria

Marcius Barcelos

quinta-feira, 4 de junho de 2020

segunda-feira, 1 de junho de 2020

A hora do pesadelo

pic: Marcius Barcelos


De repente, tudo foi suspenso. A aula parou, o concurso parou, as viagens, a festa, os encontros, a bebida no bar parou. Tudo ficou suspenso no ar. Tudo exigiu stop. Ainda que você ou os governantes não queiram, tudo parou. Só não pararam, é claro, a fome, as contas, o aluguel.
Os berros das crianças aumentaram na verdade, e eu notei que o senhor aparentemente despreocupado que vivia na rua, na frente da loja de departamento, exibia um novo matiz de apatia. Ele ainda me cumprimenta, porque continua muito educado, mas deixa cair o braço rente ao corpo depois de me saudar. Preocupo-me de haver exigido tanto esforço.
Se me sinto aliviada de saber que ele está ainda vivo em algum lugar, ainda que em um espaço impróprio, também noto, triste, que o brilho dos seus olhos se foi. Dá para ver que está aturdido agora. Vazio. Parado. Suspenso no caminho em que passa pouca gente, os mais solidários de máscara. Ele mora na rua, é senhor de idade, tem um colchão, uma garrafa térmica florida — parece nova — e mais alguns apetrechos naquele pedaço de calçada que já, eu não sei por que, já pareceu razoavelmente feliz.
Toda lógica de vida foi suspensa. A precária, a boa, a mediana. Todo plano que o homem consegue colocar em prática, toda sistemática, seja aquela que envolve soltar bolinhas pro alto e pegá-las com destreza no semáforo, seja os planos para a próxima viagem, o próximo estudo, tudo parou.
Parou também o sono para muita gente. Na madrugada, dá para ouvir as estatísticas ganhando formas. Choro de mulher, grito de homem. E a vizinhança até então silenciosa se desvela em contornos angustiantes. Pensei em um dia — em um desses momentos suspensos — que tudo isso parecia um pesadelo. Talvez se eu chacoalhasse a cabeça, beliscasse um braço, a rotina voltaria ao normal.
Não que eu achasse que ela, a rotina, fosse justa. Afinal, o pedaço de chão na frente da loja de departamento já era habitado antes de tudo isso ( e por um bicho, meu Deus, que era um homem). A rotina não era boa para muitas pessoas, mas a gente tinha nossos pulos, nossos encontros, nossos sonhos sonhados com quem também apostava em mudanças.
Tudo parado. Numa conversa de horas no telefone, dessas cada vez mais usuais, descubro que não sou a única a pensar que isso é um sono mau. A moça com problema de saúde disse quase o mesmo: — estou no meio de uma pandemia, caramba, e 'cismei' de ter apendicite. Eu tô num pesadelo. Isso é um pesadelo. Quero acordar!
Bom, chegou a minha hora de dormir. Tenho insônia, mas sei que logo pego no tranco. Preparo-me para uma noite bonita, cheia de encontros sem máscaras, algumas surpresas e dedos em fios dourados. Quando acordo, porém, vem um desejo estranho de pedir por um intercâmbio: prefiro o pesadelo na hora de dormir, e não quando abro os olhos.

Ana Gabriela Oliveira
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