quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Tem homem que geme.

É uma encruzilhada bonita. Tem homem que geme. Tem homem que não geme. E, dentro dos que se permitem gemer, infinitas possibilidades. Gemido é um canto espiritual, que imprime a música pessoal de um gozo. Também há música no silêncio é bem verdade, às vezes há até mais. Penso que aquele instante ali, onde o gemido escolhe ou não rasgar o espaço, fala laudas e laudas sobre a alma nua do macho.

Tem homem que geme para afirmar sua macheza, com a rouquidão de um felino bruto evidentemente correndo pela selva. Assustam por estratégia e esporte. Animais guturais, reivindicam as carnes da fêmea, dos móveis, dos lençóis, da vizinhança, da vida lá fora. Todas as coisas restam possuídas e cansadas, despencando na cama, aos seus pés. Esses homens têm gosto de rei e são o que são, independentemente dos nossos ouvidos.

                                "Tem homem que geme com
                       o lado feminino. Que fenômeno,
                       que coisa extraordinária. Homem
                       que quase sangra a própria voz..." 

Mas, olha, não é que "a hora" pode render segundos de primavera? Tem homem que geme com o lado feminino. Que fenômeno, que coisa extraordinária. Homem que quase sangra a própria voz, na entrega dramática e dolorosa de tenores assistindo partos, declamando as dores de suas fêmeas. Destes, confesso, não sem alguma timidez, eu gosto mais. Em geral, são os que menos têm vergonha do que sentem, são homens que choram. E o depois é coberto de rosas. As vaginas sorriem, cúmplices, decifradas. Gosto, gosto tanto...

Há também aqueles que calam. Que quase imploram pelo avesso da terra, onde nada se faz audível. Estes são os que lutam consigo. Estes são dois, só pelo pretexto da guerra. É preciso saber ler os silêncios destes cavalos correndo em círculos. É preciso ouvir com os olhos, tatear suas expressões físicas, o quanto jorram, mendigar seus sinais. Homens-oráculos, implorando cartomantes. Não estranho quando sua afonia é de uma gravidez tamanha que eles gemem por meio de nós.


 Maria Gabriela Saldanha
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terça-feira, 28 de outubro de 2014

Essas eleições...


...vão deixar saudades. Foi sem dúvida umas das eleições mais marcantes que já vivi. Seja pelo apelativo circo midiático, a morte súbita de um candidato e as viradas imprevisíveis por desconstrução da imagem pública.
    Também tiveram suas boas surpresas como era de se esperar nas primeiras eleições depois das históricas manifestações de junho. A primeira delas, a multiplicidade dos candidatos em todos os debates do primeiro turno que (para o bem ou para o mau) pela primeira vez refletiu a variedades de pensamentos e ideologias que compõe esse amalgama gigantesco que temos a audácia e a coragem de chamarmos unicamente de Brasil.
    Uma dobradinha interessante foi a Luciana Genro - Eduardo Jorge defendendo, cada um a seu modo e com suas teses, temas progressistas com um idealismo que marcou pontos para a discussão séria e racional sobre convenções que fazem milhões de pessoas sofrer e não podem avançar porque batem na barreira intransponível da opinião pública.
   Interessante também foi a distribuição de apoios desses dois candidatos que, salvo suas particularidades fundamentais, tinham muito em comum. Eduardo Jorge apoiou claramente Aécio e Luciana embora não apoiasse Dilma sugeriu que não se votasse no tucano.
     Não há dúvidas de que a manobra eleitoral de Luciana Genro tenha sido mais inteligente, e qualquer leitura apontaria que a maioria dos eleitores de Eduardo Jorge repudiaria o apoio do ambientalista. Mas por isso mesmo que podemos falar em sinceridade, autonomia e coragem por parte de Eduardo Jorge, deixando claro em seu enorme discurso quando anunciou o apoio ao tucano que não se identificava com o governo que ele propunha, mas indicava que a atividade política engloba, em seu jogo, muita coisa além do que identificação absoluta pela qual muitos saem se digladiando por aí.

                         "Posso afirmar que me diverti
                muito nessas eleições,
                   coisa que não aconteceria se eu
                perdesse meu tempo e meu humor
                  brigando com as pessoas por aí." 

     Posso afirmar que me diverti muito nessas eleições, coisa que não aconteceria se eu perdesse o meu tempo e meu humor brigando com as pessoas por aí. Aproveitei, ao contrário, para entender como as outras pessoas pensavam, fazendo com que as vezes eu conseguisse esclarecer alguma questão dentro mesmo das cadeias de pensamento da pessoa.
      Ora, convenci nove pessoas a votarem no Eduardo Jorge no primeiro turno, e, embora tendo votado na Dilma no segundo, minha opinião sobre meu candidato não estremeceu nem um pouco. Ainda mais por saber que a pluralidade nos debates foi garantida por ele ter sido o único a se negar a entrar num acordo com a globo para o qual foram chamados ele, Dilma, Aécio e Pastor Everaldo. A ideia da emissora era haver um consenso e contemplar a porcentagem que o TSE exige para não se fazer o debate com todos que representam partido com representante na câmara. Na outra ponta desse eixo se encontra o Pastor Everaldo, ele foi o único a fazer o ridículo papel de cabide de algum candidato, deixando até mesmo o tucano sem graça enquanto levantava para ele sacar no referido debate.
    Mas, além das pessoas com as quais falei e convenci, o entusiasmo estava presente na discussão, sempre cordial, com pessoas que pensavam radicalmente diferente de mim.
       Uma militante do PSDB mesmo ficou muito agradecida depois que ficou sabendo que eu votaria no PSOL (isso no começo das eleições) e mesmo assim eu fui educado com ela e falei sobre os motivos que eu não votaria no Aécio muito calmamente.

                              "E deus me livre de me 
                       transformar num fiscal
                           do bom comportamento"   

      Ao conversar com um antigo professor de história meu, partidário do Aécio, que soltava alguns comentários que podiam ser entendidos como preconceituosos à esquerda não me senti ofendido, afinal ele falava com a leveza de quem brinca. E deus me livre de me transformar num fiscal do bom comportamento rechaçando qualquer brincadeira bem intencionada com o lado político oposto, afinal, também na esquerda temos nossas piadas e taxações que podem não ser agressivas, só engraçadas.
  Ao invés de me entregar à tentação de taxá-lo e listar as idiossincrasias de seu lado político, que sempre estão na ponta da língua. Preferi levar na brincadeira que propunha e ressaltar que foram suas excelentes aulas de história é que fizeram de mim um anarquista.
    No mais acho que foi válido. Afinal, nem que seja nos debates do primeiro turno ouvimos diferentes teses sobre as direções políticas do nosso país e assim poderemos refletir melhor.
      O que eu percebi é que, sabendo conversar, tudo pode ser abordado, tudo pode ser discutido.
      Também Aécio não é um monstro, será tão difícil entendermos que não votamos no outro porque ele é o diabo encarnado, é apenas porque não queremos determinado projeto político para o país. Além de Aécio não ser um monstro tem muita habilidade política, sabendo ele que, caso eleito, deve moderar em medidas impopulares, senão não é reeleito nem elege sucessor. 
      Mas a principal vitória política, não se dá pela reeleição do PT. Se dá pelo fato de a presidente eleita pelo PT se comprometer claramente eu seu discurso de vitória com a urgente reforma política, apoio governista já temos, agora é só nos organizarmos em torno dos movimentos sociais e irmos para as ruas.

                 "Apoio governista [para a reforma
               política] já temos, agora é só nos
           organizarmos em torno dos movimentos
             sociais e irmos para as ruas." 

      E para aqueles que clamam que o nordeste seja declarado a "Nova Cuba" saibam que o Brasil não caminha para o comunismo, mas caminha, sim, para uma social-democracia, ou seja, uma democracia governada e pensada pelo e para o povo. Coisa que muito deveria agradar as pessoas que se identificam com o Partido da Social Democracia Brasileira, ou PSDB.
       Já podemos retomar as amizades e nos imbuir de boas vontades, a eleição já passou, e só valerá a pena se conseguirmos reverter o quadro de violência que se deu nas relações e nas redes sociais e usarmos da pluralidade não para alimentar nosso ódio, e sim para aumentar nosso universo de conhecimento político, coisa que, inclusive muito servirá ao advento do projeto político que acreditamos.
       Saber enfim, olhar o novo e os acontecimentos com distância e curiosidade, não sem paixão. Até porque sem ela nem o almoço de domingo com a família vale a pena. É pela paixão, e pelo aprendizado que ela vai gerar que essas eleições vão deixar saudade. 


Vinicius Tobias

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Notas sobre um romantismo perdido - Oscar Medeiros

Anagnosia


Sonho riquezas e tesouros,
Sonho uma morada onde eu veja
Sob a máscara da tristeza, sobre o muro
                                                             do finito.

          Quis depois do tempo achar vida e céu
                                                                 Em mim
                                     Vejo entre fora e dentro.
                      Nada parece ser tudo o que vejo!

                       Eu bom, eu mau, eu som...
                               Em mim eu mudo,
                        Tonto esbarro nos mundos.

Que vem a ser esta seresta dos sentidos
                                                               (onde vivo?)
Falem do silêncio que eu não conheço!
Falem do silêncio que eu não conheço!





*Video resultante da Oficina de Processos Audiovisuais Cocriativos
Sobre Poema SURSUM CORDA - SER ESTA MINAS de 
Oscar Medeiros e composição de Pedro Lago





Ampulheta

Estou deprimido, cansado...
Encontrei um pentelho Branco
No saco.

O ver, sentir assim o tempo acorda   
O ser humano
Exato.   
 



**Poesias tiradas do fanzine A Poesia Crônica organizado por Pedro Lago

                     

terça-feira, 14 de outubro de 2014

O famigerado terceto - Felipe Fernandes




Preto e branco

Quem pintaria sua vida num quadro?
Ou se alongaria numa frase obscura
Que se apaga no muro da cidade?



Céu Espelhado

Num céu sem fim,
Urubus descrevem círculos sobre mim
Acho que morri



Dias

Ontems no plural não faz sentido.
Mas será apenas um
Todos os dias vividos?



Quarteto

Ela disse pra eu tentar o quarteto,
Ou talvez o quinteto.
Mas o próximo verso me dá tanto medo.

   



*Imagens e colagens tirados do fanzine In(verso) de Felipe Fernandes e Dani da Gama, lançado no 27º Inverno Cultural


quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Prosas das nuances vistas por traz do véu - Dani da Gama






 O preço das coisas


como possivelmente ser feliz se neste teu pé há estes calos, e eu queria ter sido um anjo uma ave um avião de papel que lhe houvesse levado voando, ver o mar, ver teu pai, ver a rua, sabe?, que não vês.
velho pai velha mãe onde estamos .. subimos todo este caminho em busca de um pouco d'água um pouco de paz um pedaço onde fazer um chão mesmo onde segurar o choro quando.
chão janela cortina - coisas.
choro - solidão
hoje aquela senhora me disse - duas presilhas no cabelo uma menina na mão uma dentro do umbigo por onde lhe alimenta, por enquanto, sem desejos esplêndidos:

-e se emprestasse uns trezentos, dona, pra comprar umas coisinhas para o neném, pra menina?

eu tenho raiva de suas presilhas de suas coisinhas pro neném e pra menina!, porque não posso fornecer a crédito nem um sorriso sou uma funcionária sou fria sou patética e arrasto meus pés numa rua que já não tem mais cor.
- todos com a mesma cor. Um crachá um código uma cifra.
eu, meu distintivo guardo na gaveta

-afastá-lo!!afastá-lo do peito ...!...  





DESCOBERTAS SABORES SENSAÇÕES: QUEM PASSA SOMOS NÓS


Há um dia ensolarado e as flores buscam a luz.

 Os dois cegos, esses não veem a luz, nem a flor, nem o sol, mas tudo é tão belo... Na memória - máquina de sonhos - eles criam o que é flor e o que é luz, e um poderia explicar
aos outros suas metáforas partidas, mas é boa a delícia de seu encantamento secreto...

Transeuntes em seu eterno sono jamais vendo as flores, a ponte, os cegos,... transitam em seu passo rápido e delinquente de rio sem leito.

Mas os cegos, esse não vão. Eles ficam e sugerem a cor vermelha e a amarela... e podem sentir o macio das mariposas.

Na penumbra definitiva e sólida, há cor em seus olhos estupefatos como há nas flores. Como não há nos transeuntes,

tãopouco divinos. 




*colegens e textos tirados do fazine IN(VERSO) lançado no 27º Inverno Cultural da UFSJ por Dani da Gama e Felipe Fernandes
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