Manifesto-ataque: Poesia do Ato


            Caso o seguinte poema não houvesse sido escrito, talvez fosse necessário escrever um manifesto. Tendo-o em mãos, basta-nos reverenciar e nos armar com ele, e, com armas em punhos, estamos aptos para atacar e berrar.


Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada nos bolsos e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso.                                       Poetar é simples, como dois e dois são quatro sei que a vida vale à pena etc. Difícil é não correr com os versos debaixo do braço. Difícil é não cortar o cabelo quando a barra pesa. Difícil, pra quem não é poeta, é não trair sua poesia, que, pensando bem, não é nada, se você está sempre pronto a temer tudo; menos o ridículo de declamar versinhos sorridentes. E sair por aí, ainda por cima sorridente mestre de cerimônias, herdeiro, da poesia dos que levaram a coisa até o fim e continuam levando, graças a Deus.   E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. Adeusão.


Isto é do Torquato, neto.
                “Deixem que os idiotas pensem que isso é um poema” dizia Augusto de Campos em um poema onde ele se auto-referia em homenagem ao Torquato.
                O concretismo é o crepúsculo da tradição da ruptura, o concretismo é o grau zero de nossa época e com ele anulam-se quaisquer outras inovações, que por si é uma palavra inútil e em desuso.
                Nenhum outro movimento pode se firmar com base na estética, esticamos até o limite todas as molas e chega o tempo da re-integração.
                Contemporâneo e integrador do concretismo em sua geléia-geral, aquilo que ficou conhecido como Poesia Marginal é o primeiro tiro em direção às estrelas. Marginal porque pouco intelectualizado, Marginal porque Fora do mercado, Marginal porque não entende a si mesmo, Marginal porque depois que entra no mercado, vende-se, e isso não é um crime.
                Como profetizara Oswald chega o tempo da poesia de pobres, pois chega o tempo das simultaneidades e a elite, moderna como não pode deixar de ser, não sabe pensar em termos das contradições internas.
                Isso por exemplo é um manifesto literário que pretende tirar a literatura da poesia.
                Para isso abaixo os movimentos, abaixo o apadrinhamento, abaixo o indivíduo, abaixo o coletivo, abaixo a genialidade, abaixo à poesia útil, abaixo à poesia desconstrutora, abaixo à poesia pop, abaixo à poesia engajada, abaixo à poesia crítica, abaixo à poesia estética - - - três vivas à Poesia do Ato.
                Contra também os impropérios do novo. Alice Ruiz escreveu “nada de novo sob o sol / apenas o mesmo ovo de sempre / chocando o mesmo novo”. A busca pelo novo se repetiu por todo séc XX, e o novo de hoje é algo impotente e castrado. Procuramos agora água potável.
Os termos quando usados em prosa se falássemos por nós mesmos, seriam bregas. Diríamos vida-verdadeira, integralidade e um tanto de baboseiras que apenas ferem a causa. Dessa forma é mais convincente caso disséssemos que queremos uma poesia de essência, uma essência que seja sua existência (mutabilidade não-essencial) uma existência, porém que se assumisse tal como é e fosse, portanto, autêntica.
O problema de tantos termos Heideggerianos é que não queremos uma poesia ontológica e sim ôntica, não queremos o super-homem e sim o demasiado humano. Por exemplo, essa coisa alemã de escrever grandes tratados que forcem nossa linguagem ao extremo é bacana, mas inútil. Instauro que qualquer paixão é grande para caralho e buceta e, por isso, maior do que qualquer tratado alemão (que por sua vez desloca sua importância por ser fruto da paixão), e que nenhum canto é maior do que a vida de qualquer pessoa – não foi esse afinal o presente de Zaratustra?
De mostra que a maior virtude da poesia deve ser a verdade. Não uma verdade platônica, mas uma verdade existencial, uma sinceridade sem precedentes, em continuum vivencial do qual a literatura não pode suportar sem explodir e destruir todos complexados à sua volta com estilhaços de paixão.
Esse nome, derivado da definição “Poetas do Ato”, do poema de Philippe Campos, quando encontrado no poema se refere a assassinos e ladrões, uma poesia que sai do campo das artes, do campo da estética e se instaura como cultura naquele outro sentido, naquele sentido que damos à culinária: como um artifício para matar espíritos.
É inocência pensarmos anticontextualmente. Reiterando: a única verdade é o contexto. É a força do “todo mundo”, que não é um problema em si, caso não levasse as pessoas a pensarem que em suas vidas são desenroladas com o embate de forças menores, pelo menos menores do que nos grandes romances, poemas e filmes de ação. E isso é feito paradoxalmente enaltecendo cada um sem levar em conta seus esforços ou não, convencendo-os que têm o direito do acesso ao consumo, que são cidadãos e portanto merecem respeito, pois são pessoas importantes, como todas as outras.
Esses avanços todos, em conforto e em fartura, foram instituídos à custa do convencimento geral de abster-se da vida, do convencimento geral de que nunca haverá motivo algum para matar alguém. Essa poesia é um atentado contra isso, é o risco acompanhado do grito, é uma platéia pasma, é a boceta e o pinto fedendo depois do sexo abafados pelas roupas intimas.
Pois – e isso não é política – não vão convencer a ninguém que a minha e sua existência é menor do que alguma coisa. Caso o sistema, o senso comum, ou alguma raça alienígena quisesse nos combater, nos matar, morreríamos contentes, mas, caso não prestem atenção no meu poema sairei à rua pelado. Esse lugar comum do “tudo que você disser importará” e ainda, “você é livre” são ofensas que não podemos tolerar.
É por isso que acreditamos que poesia e prática editorial são coisas diferentes. Que poesia é importante por ser existência, e a existência é anterior a qualquer exterioridade e a qualquer prática comercial. Desta forma, estar em um livreto xerocado não faz um poema bom pior assim como não faz um poema ruim melhor. É por isso também que está salvaguardada nossa capacidade de amar e desejar, e queremos compartilhá-la através de nossos poemas.  Além do mais a necessidade de água-potável é análoga a de poesia. Poesia é uma necessidade real, comercializá-la, não. As atitudes poéticas em todos os níveis mantêm corações e mentes envolvidos com suas relações.
Como apontado, a poesia não se reduz ao verso. Mas quando o Poeta do Ato faz um vídeo-poema, faz um poema-processo, faz uma performance-poética, um zine de poesia, ou um poema visual não é automático que a áurea vanguardista se aposse dele, pois sua poesia, em sua cadeia relacional será igual e diferente, até mesmo porque a música-ambiente em sua exposição será o último funk de sucesso.
Portanto a Poesia do Ato é uma poesia configurada pela sua natureza e não por sua estética. Qual é a sua diferença de outros poemas? A Poesia do Ato mata; a Poesia do Ato o empurra para a rua. Eis nosso manifesto:

Vinicius Tobias


Acaso. Um buraco descentrado
Uma membrana porosa: - Mundo, ou o presente em desamparo
Acaso. O silêncio torna-se música
E há ordem
A menos aquela sob o pano de frente das grandes telas de led
E por baixo de nossos grandes trens flutuantes...
E os tribunais igualmente silentes com sua burocracia digital infinita
Acaso. Respire o ar condicionado dos grandes prédios, dos grandes escritórios e dos grandes carros e dos grandes ambientes pasteurizados... mas cuidado ao sair na rua
Ao respirar na rua
A rua fede
E fedem também seus habitantes
E na rua, as divisórias são um tanto mais flexíveis                                                                                                                     Acaso e cuidado!                                                                       -Hey! Você não está só! - é o que diz mais um guru hi-tec
E há salvação, não no mundo, não nesse mundo
-E Deus?! Ele tem um plano pra você! - e ao dizer isso o pastor toca o amuleto escondido em seu bolso
-E você?! É escrito pelas estrelas
Corre! Foge!
O presente em desamparo
O ruído tornado música, é tudo aquilo que se evita
Porque é verdade...
Idiota! Idiota!
Se quiser, me faço explodir
Hoje, estão todos em silêncio
Mesmo aqueles que gritam
No fundo, estão todos em silêncio
Como um balão que estoura pra dentro
Se quiser, me faço explodir!
O silêncio traficado no cotidiano, também ensurdecedor

A Rua é a Paranóia
Toda a gente na rua sabe ou não sabe
Não importa
Dispositivos móveis outrora transeuntes
Toda a gente na rua se toca ou não
A apendicite da lógica binária: - o corpo
Sonhamos com um encontro logicamente impossível
Porque todo encontro é assedioso

Ordem
O mundo está em ordem
As nanoestruturas são sutis demais
Esse segundo esqueleto permite e emperra o movimento
Não vire para ali! o nanoesqueleto não te acompanha...
E quanto mais ordem: mais ordem! Imperativo
Mas ainda terão Poetas do Ato
A qualquer momento um ladrão ou um bêbado hão de cometer um suicídio em alguém
Porque toda morte é um suicídio

E se...
As cobaias do experimento de Stanford se reúnem até hoje
Em algum porão para repetir o experimento por um dia ou dois.
É difícil aguentar o peso cotidiano
Sem uma dose maquinal de masoquismo voluntário
Chora!
E nem todas as lágrimas do mundo te bastarão
Nossas crianças já não suportam apatia jornaleira
A profissão do futuro é engenharia do tempo...
Mas lembra de abrir uma ligeira fenda em teu braço com um estilete.

Desistência
Ou desistimos!
Os protocolos cotidianos, graças a:
Os arquitetos de lugar algum; de sítios inabitáveis.
Tudo é um hospital ou um consultório de dentista
E a sala de espera somos nós.
Sofre, geme... silêncio
O ato é um emperro
À rua! À rua!

A Burrice Maquinal
Os circuitos lógicos ainda não tomam a decisão
E somos igualmente máquinas quando não temos medo
E somos igualmente máquinas quando temos medo
Acaso e cuidado
A vulgata do nosso tempo: - a crítica
Vá com paciência, a crítica e a pós-crítica
O silêncio é ontológico
Existem formas absurdas de morrer, por exemplo hoje

A Vida
Grandes tragédias, odes triunfais, pequenos poemas em prosa: - passado
Já seríamos supremamente gratos ao universo
Se a Graça nos concedesse um cotidiano um pouco menos miserável...
Como se o cotidiano não fosse o que é
Por isso não se espante ao chutar a cabeça do seu vizinho contra o poste
Nem quando você se regozijar em silêncio ao ver a casa dele em chamas...
-É só a vida tentando escapar...
Por um buraco meio estranho... mas é vida escorrendo.

Ódio e Apatia
O sequestro de si mesmo
E sequestrados estamos sob o amparo do ódio e da apatia
Privatizamos o corpo, que é público,
Privatizamos o Eu, que é público,
Privatizamos o afeto e a tristeza, que são públicos!
Publicamos a violência
Niiliseres olhando para o mundo esgotado,
Catatônicos por um fim do mundo.
!!!... vai de vagar... paciência...

Desamparo
É a experiência do desamparo evitada com força e ignorância todas as noites entre a vigília e o sono
Desamparo aquele encontrado novamente entre o sonho e o despertar
Talvez penses, em algum momento: - não sou especial
Escravos de conteúdos obscenos
E escravos de formas pouco obscenas
De nada adianta calar o silêncio
E todo suicídio é um ato deliberado do acaso
  
Cuidado!

À Rua! À Rua!

Emergência e desamparo: por hoje basta gravar em teu espelho: "Não sou especial"
Amanhã, por favor, escreve no letreiro de tuas telas: "Não há um plano"
Numa distração, num repente, num ato inotado, numa segunda-feira, lê, num papel jogado sobre a tua mesa, a palavra: - "!!!..."


              -shhhhhhhhhhh...




                                                            Philippe Campos
 






Panifesto da Poesia Urbana contra o Eufemismo e a Cátedra

Que fique bem claro seu-dotô
A Poesia Urbana é uma praga
que se alastra como as favelas
cheira à água de despejo
perturba como insônia
tem a força do tráfico
e o atrevimento dos pivetes do Brás

Não adianta fechar seus vidros elétricos
e viajar para a Glória, a baía, a linha do horizonte
pois a fome das ruas arranhará sua lataria importada
incendiará sua vitrine de magazines

Ela anda como os desprovidos
revela sem eufemismo’
as mazelas humanas
a cidade oculta
a tristeza dos chineses
a loucura reprimida dos Garis

Se cuida, turista deslumbrado
um arrastão de versos miseráveis
invadirá sua praia
sequestrará seus fetiches literários,
seus continhos fantásticos,
e estraçalhará sua poesia plástica
num tiroteio hediondo

Um conselho?
se não quiser perder a pose
corra para bem longe
esconda-se atrás dos muros da academia
dope seus jovens operários com boas doses de informação
títulos
e reproduza robôs mais fortes
o suficiente para dar conta do que você não deu

Aqui fora
as crianças continuam praticando papai e mamãe
jovens morrem com a cabeça vazia no volante
existe uma massa de carne e osso dopada de altas doses –
institucionais
escolas apodrecem
falta teatro, cinema e orgia para o povo

E você catedrático
só preocupado com a chegada de um livro importado
e o congresso no planeta Hermético.


Lucas Ferreira

Desconstrução

Se for assim,
desmonto o telhado
desassento os tijolos,
desarrumo a cama,
desvisto as roupas
desligo as estrelas
e durmo no escuro com a bunda de fora

Raisa Faeti






diOli




De corpo e software

não que eu me importe
com a altura da sua
literatura
escorrendo pelo
cânone

sei, é deprimente
a cultura pop
subdesenvolvida
dessa triste
américa latina

felizmente
pra aumentar
minha auto estima
tenho o face

compartilho uma
frase do Shakespeare

não sei se é confiável
mas é bonita

se quiser comente
mas não critica

a situação da crítica
é crítica

leio e me livro
depois caio
na vida

tem novela às nove
depois jogo do flamengo

na night um show
de samba rock

no corujão vai passar Hamlet

vou assistir
.
.
.
se chegar a tempo.

Igor Alves





lambo a manga madura
derretendo na ponta da minha língua igual uma vulva
lambuzo as mãos e a barba

fiapos solares entre os meus dentes
até o caroço
até todo o suco gozar meus lábios meus

até a fenda entre a existência e o infinito
revelar a eternidade


Guilherme Paiffer Pelodan




Velas para o Oriente

Calada
Use mais “parcimônia”, quem diria?
Verrugas e anestesia e cheguemos
Senhores, nós não temos nada
Favores castos
ilhados em favores castos que iremos retribuir depois de agraciados
E essa vela, essa vela, foi acesa por Prometeus
Sim, um belíssimo e antológico deus ladrão cult
E eis porque ainda com toda a cera ela está apagada
Com essa vela, eu acenderia todas essas outras velas
Aos pés de nossa senhora nesse altar rústico gigante que sempre
                                                    [vai ser mágico enquanto tivermos quatro anos.
por toda essa pedra repletas acesas velas para o oriente
Que sucumbe no verso de todo seu cultivo
Mas a primeira de todas singulares apagou com um sopro
                                                    [tão leve que não moveu nem os meus cabelos
Talvez dos meus cabelos surgiu o sopro
O sopro que partiu os meus cabelos
Não moveu nem a ponta seca do capim-gordura sobre o qual Lucas tanto fala
Isso para usar uma palavra chave em nossa poética da ascensão...
-nossa poética das maiores batalhas.


Vinicius Tobias



ATenda


Rumino fino. Lã de gravidez das aves. Corpo maciço das metáforas. Linha na Retina do Poema de Segunda. Prosa dos Monstros Alados com Sísifo. Mediações de Vinícius: entre Tombos e Tobias. Na carcaça Teodoro: o comício * de outro tudo e por fim, Ir go."
(A primeira impressão é a que finca.)

Maços de poesia por todos os lados,
quem foi que tirou a vergonha sintática
desses bichos palavreais alados?
Bambus estendidos ao tronco da noite apanham pessoas,
são palavras que alcançam o buraco do raso.
Um modo de brincar no fundo do poço.
O preço é de pirata que afunda o mar dentro de um barco
por 3 você leva, por 2 você trás. 10 ou 5 tô tais.
________________________Há zines pra todos os Pratos


                                                                            Clélio Souza


Poeta e público I

Escrevo desejando ser lido
Mas, algo me diz que ninguém vai ler...

Bom, exceto você.

Aliás,
Quem é você?




Lucas Teixeira



Tenho certo apreço pela palavra.
É um amor sincero.
Remonta de anos literários,
quando ainda, eu não entendia
sobre a semântica.
Palavra era pão.
Matava minha fome.
Podia crer eu, nos manifestos.
E nas esquinas perpétuas.
Palavra então, era tiro.
Muito mais que as figuras, e as linguagens.
Muito mais que os poentes, o gado, e a retórica inventada.
Muito antes, da palavra ser pisada.
Palavra era escada.
Podia crer eu, nos muros então.
E muito mais na visão.
Mas, a minha palavra não era organizada
Não ditava jargão.
Minha palavra era dito.
Às vezes, edito.
Palavra é bordejo de interior.
Máquina de viver do Manoel.
Predicativo de um tempo.
Verbo, carne, e invenção.
Vende-se palavra de graça.
Não precisa comissão.
A arte é dura;
de segunda à domingo
Entra pelos sete buracos de minha cabeça, ou não.
Sem pedir licença à sua presença, Caetano.

Valéria Duarte





Mais informações sobre o movimento no artigo "Vende-se poesias de graça: os círculos de publicação artesanal no interior mineiro" de Vinicius Tobias, publicado na Revista Terceira Margem, da UFRJ. https://revistas.ufrj.br/index.php/tm/article/view/14597/9797

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