terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Cemitério dos Vivos (trechos)



Essa questão do álcool, que me atinge, pois bebi muito e, como toda gente, tenho que atribuir as minhas crises de loucura a ele, embora sabendo bem que ele não é o fator principal, acode-me refletir por que razão os médicos não encontram no amor, desde o mais baixo, mais carnal, até a sua forma mais elevada, desdobrando-se num verdadeiro misticismo, numa divinização do objeto amado; por que – pergunto eu – não é fator de loucura também?

Por que a riqueza, base da nossa atividade, coisa que, desde menino, nos dizem ser o objeto da vida, da nossa atividade na terra, não é também a causa da loucura?

Por que as posições, os títulos, cousas também que o ensino quase tem por meritório obter, não é causa de loucura?

...

Eu sou dado ao maravilhoso, ao fantástico, ao hipersensível; nunca, por mais que quisesse, pude ter concepção mecânica, rígida do Universo e de nós mesmos. No último, o fim do homem e do mundo, há mistérios e eu creio neles. Todas as prosápias sabichonas, todas as sentenças formais dos materialistas, e mesmo dos que não são, sobre as certezas da ciência, me fazem sorrir e creio que este meu sorriso não é falso, nem precipitado, ele me vem de longas meditações e de alanceantes dúvidas.

Cheio de mistério e cercado de mistério, talvez as alucinações que tive as pessoas conspícuas e sem tara possam atribuí-las à herança, ao álcool, a outra qualquer fator ao alcance da mão. Prefiro ir mais longe...






O que há em mim, meu Deus? Loucura? Quem sabe lá?

Lima Barreto
Escreveu esse livro/relato internado no Casarão da Praia Vermelha ( Hospício Nacional ), do natal de 1919 a fevereiro de 1920, vindo a falecer dois anos depois

Um comentário:

  1. Outras questões, é claro, poderiam ser colocadas: por que você resolveu experimentar entorpecentes? Por que continuou a usá-los tempo suficiente para se viciar?

    Bem, você se vicia em entorpecentes quando não tem motivações fortes que apontem para outras direções. A droga pesada ganha por desistência. Eu a experimentei por curiosidade. Ia tomando umas picadas sempre que descolava a droga. Acabei fisgado. A maioria dos viciados com quem conversei relata a mesma experiência. Ninguém começou a usar drogas por um motivo especial. Apenas foram tomando os seus picos até se verem fisgados. Quem nunca foi viciado não consegue entender o que significa precisar da droga pesada com a urgência do vício. Ninguém decide virar viciado. Certa manhã o sujeito acorda fissurado e pronto -- é um viciado.

    Burroughs

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