sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Pinheirinhos: Nosso Tempo

Já se tem falado por aqui sobre a Democracia Relativa que vivemos, onde a força militar travestida de agente de segurança se torna o braço do estado que esmaga de forma irrestrita, irrefletida e ignorante problemas que o governo - de partidos partidos, de corruptos vendidos, de marketing barato, de jogo de interesses - não quer resolver, mas apenas apagar, não importa quanto sangue escorra de seus atos. O brasileiro de hoje continua de cócoras, passivo perante a barbárie, vez ou outra expressando seu descontentamento num comentário em frente à televisão dos títeres ou no facebook, que tanto serve pra deixar consciências tranquilas.

A caça aos pobres continua e a Copa do mundo tá chegando

Quase dez mil pessoas desabrigadas, sete mortos, dezenas de feridos, e a industria imobiliária ganha mais uma vez com a ajuda do braço armado do estado. Pra onde vão essas pessoas?

Alguém se importa?

A lei, ora, a lei.




Nosso Tempo (trechos)

Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.

Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra.

Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!

Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.

...



É tempo de meio silêncio,
de boca gelada e murmúrio,
palavra indireta, aviso
na esquina. Tempo de cinco sentidos
num só. O espião janta conosco.

No beco,
apenas um muro,
sobre ele a polícia.
No céu da propaganda
aves anunciam
a glória.
No quarto,
irrisão e três colarinhos sujos.

...

Escuta o horrível emprego do dia
em todos os países de fala humana,
a falsificação das palavras pingando nos jornais,
o mundo irreal dos cartórios onde a propriedade é um bolo com flores,
os bancos triturando suavemente o pescoço do açúcar,
a constelação das formigas e usurários,
a má poesia, o mau romance,
os frágeis que se entregam à proteção do basilisco,
o homem feio, de mortal feiúra,
passeando de bote
num sinistro crepúsculo de sábado.

...

Ou não se salva, e é o mesmo. Há soluções, há bálsamos
para cada hora e dor. Há fortes bálsamos,
dores de classe, de sangrenta fúria
e plácido rosto. E há. mínimos
bálsamos, recalcadas dores ignóbeis,
lesões que nenhum governo autoriza,
não obstante doem,
melancolias insubornáveis,
ira, reprovação, desgosto
desse chapéu velho, da rua lodosa, do Estado.

E dentro do pranto minha face trocista,
meu olho que ri e despreza,
minha repugnância total por vosso lirismo deteriorado,
que polui a essência mesma dos diamantes.


...

O poeta
declina de toda responsabilidade
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos  e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.

Carlos Drummond de Andrade, que ainda habita o nosso tempo.


Uma fala interessante sobre o assunto:



2 comentários:

  1. "A democracia é o sistema que faz com que nunca tenhamos um governo melhor do que merecemos."
    George Bernard Shaw

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