terça-feira, 13 de maio de 2014

As opiniões do contista Nathan - Moacyr Scliar

(Trecho do conto Os Contistas
dedicado - a postagem, é claro, -
 à todos que contribuem
com esta ágora melodramática
vulgarmente conhecida como blog)

(...)
      Ao meu lado, o contista Nathan estava dizendo que nós, os contistas, gememos e rangemos os dentes produzindo nossos contos. Enquanto isto, prosseguia o contista, vamos desprezando os programas de rádio, as novelas de televisão, as colunas sociais, os filmes coloridos, as revistas semanais, os políticos, os funcionários públicos, os colunistas sociais, os novos ricos, os burgueses, os demagogos, os escritores engajados, os lugares-comuns, os sonetos, palavras como desespero, ternura, destino, crepúsculo, coração, alma... E penosamente, continuava Nathan, vamos escrevendo nossos contos. Nossos personagens não tem nome; são apenas ele. "Ele acendeu um cigarro e ficou olhando o teto." Os leitores mais atilados, observava Nathan, sabem que estamos nos referindo a nós mesmos; que estamos dialogando com nossos demônios particulares; que estamos vertendo, de dentro mesmo da alma, um liquido claro e tépido que, exposto à luz crua do mundo, esfria e se turva, e mais: solidifica-se, transforma-se em dura gema, de natureza desconhecida, mas de valor só apreciado por raros conhecedores, criaturas admiráveis. É semelhante à opala. Enquanto esperamos pelo reconhecimento, prosseguia Nathan cada vez mais entusiasmado, nos deitamos em camas sujas, acendemos cigarros e ficamos olhando os tetos. Sofremos as dores de um mundo informe e monótono. Poderíamos engolir, pensamos, este mundo, como se fosse uma pílula minúscula. Por que não o fazemos? Por piedade - ou por medo de constatar que esta partícula é maior do que nossas goelas? Cretinos, bradava Nathan, cretinos é o que somos! Admitamos! Estamos comendo, estamos tendo relações sexuais, estamos respirando como qualquer pessoa  - mas estamos semimortos, zumbis que somos. Só começamos a viver - aí Nathan estava gritando mesmo - ao partejar dolorosamente nossas tristes frases que aí ficam, nas prateleiras, folha de papel após folha de papel, letra ao lado de letra - mas sem se tocarem, estas letras, à espera que estão do aventureiro intelectual, do comprador, entidade que depende diretamente das leis de mercado. oferta e procura! - terminou o contista Nathan.
        Ouvi aquele negócio e fui saindo devagarinho. Juntei-me a um grupo: Milton, Copaverde e Afonso. Veio um fotógrafo e tirou uma foto. Depois quis cobrar. Fiquei possesso; eu pensava que ele era do meu jornal. Não pago nada, gritei, eu devia é cobrar por ter posado. O fotofrafo nos xingou e deixou a livraria. Um a menos, ainda berrei.

(...)


*pic: Camus Argumentando

(...)
        -Alguns contistas - era Nathan de novo - recusam-se a qualquer atividade. Não comem, não bebem, quase nem escrevem. Ficam numa espécie de marasmo, à espera de alguém que lhes diga: Depertai, lúcidos profetas!
 (...) 

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