sábado, 31 de maio de 2014

2 Sonetos de Manuel Bandeira




Peregrinação


Quando olhada de face, era um abril.
Quando olhada de lado, era um agosto.
Duas mulheres numa: tinha o rosto
Gordo de frente, magro de perfil.

Fazia as sobrancelhas como um til;
A boca, como um o (quase). Isto posto,
Não vou dizer o quanto a amei. Nem gosto
De me lembrar, que são tristezas mil.

Eis senão quando um dia... Mas, caluda!
Não me vai bem fazer uma canção
Desesperada, como fez Neruda.

Amor total e falho... Puro e impuro...
Amor de velho adolescente... E tão
Sabendo a cinza e a pêssego maduro...





pic* Reprodução da obra "Mulher com chapéu panamá"
de Di Cavalcante



Verdes Mares



Clama uma voz amiga: - "Aí tem o Ceará".
E eu, que nas ondas punha a vista deslumbrada,
Olho a cidade. Ao sol chispa a areia doirada.
A bordo a faina avulta e toda a gente já

Desce. Uma moça ri, quebrando o panamá.
"_Perdi a mala!" um diz de cara acabrunhada
Sobre as águas, arfando, uma breve jangada
Passa. Tão frágil! Deus a leve, onde ela vá.

Esmalta ao fundo a costa a verdura de um parque.
E enquanto a grita aumenta em berros e assobios
Rudes, na confusão brutal do desembarque:

Fitando a vestidão magnífica do mar,
Que ressalta e reluz: - "Verdes mares bravios..."
Cita um sujeito que jamais leu Alencar.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Cancioneiro de Ijaci - Vinicius Tobias

dá-te o destro se canhoto for
mantém a faixa dos 60
"essa estrada está mal sinalizada"
"Quer saber, respondi,
                toma meu egoísmo
                minha inveja
              doma meus monstros
vou vomitá-los todos aqui
                                   [no tapete do seu carro

Comi um belo mexido


meus pais (graciosos) foram ao teatro essa noite

depois de rir do stand-up na TV papai ficou sério e disse:

-Lembra daquela noite que quando foste dormir

acordei eu para insônia?
               Ouvi trovões a noite inteira
               mas não eram trovões
               um geólogo veio
               deu um nome
                           "A grande racha de Ijaci"

                                           talvez


Muitos trovões e arrepios.


Li uns capítulos

Totens legendários cantaram toda a Austrália  
e lhe concederam existência na época do sonho
estremeço, caminho muito nos sonhos, vou aos mesmos lugares
                                                              [e os refaço
"Será que vim pra ver todo esse falso caminho ruir?
                                                              -pra cantar isso?"

Mais trovões


"E se tudo desaparecer junto com meu corpo

                                                                          [nos destroços?'

Às 03h começou a chover.





*pic: Pintura  Aborígene
Tela "Ngalyipi Jukurrpa" de Liddy Napanangka Walker



Raio de Sol

Tem de amarrar as pernas e os braços
Suplicar aos tecidos e aos escarros
O dia mata qualquer resquício de poema
A questão de fato é, se dentro,
                                    [há problema

Disto não se distingue a diminuta
Doutrina de sempre reforçar as próprias leis
Por mais que saiba o motivo dessas eras concretas
Não quero mais o peso de conservar qualquer inimigo

Tenho de pensar melhor antes de dizer que
        não há ninguém que não tenha perdoado
Mas se não fiz isso garanto que sigo errado
Só quero me livrar do que agita o coração

Sonhos e projetos pegajosos
    -As maneiras mais distintas e necessárias ao próximo gozo
O vício de dizer convincente que quem ofende está errado

Veja qual é a situação
Num jardim, a flor
Só vejo meus fantasmas obcecados

Mas hoje não há a possibilidade do errado.
Não quero nada que não seja pré-determinado
Pego o carro, vou comprar água e vassoura piaçava

Solzinho bom nessa Ijaci em outono muito cinzento
A alegria cresce em alento
Não por estar tudo como pretendia
Mas por não me importar com isso na primeira hora do meu dia

Ijaci é bela e não é bela também
Há um ranço que dói, uma desconfiança, um rancor
                                                [expressa enquanto se pesa o Acém
Que se agarra (moída) com tentáculos na canela

No desvio do olhar que é uma oração:
 "Senhor, permite
                                 que ele não sabe
                                                               que sei
                                                                            que ele existe"

Eu lembro de minha avó sorrindo
de cima da sua sabedoria
louvando a Jesus.

Lembro do sermão reconfortador do pastor
em seu velório.
Lembro de qualquer sorriso sem contextualização
Vejo aquele rapaz, antes agressivo, agora gentil
Seu irmão, antes amargurado
Agora com amor no coração ensinado a outros
                                                                   [o caminho da salvação

Pago e esqueço de pegar o que fui pegar no super-mercado
       (fiquei um pouco melhor quando os afogados boiaram
         pude subir um pouco, para uma densidade
         que dá pra um sol bater de vez em quando)
Agradeço, digo bom dia, sorrio
forçado?
Recebo um grunhido como retribuição
Ele serve de mote para essa canção:

"Nem o mais hostil e agressivo ódio
dentro de cada ser que se debate
pode ofuscar no individuo
Aquilo que jamais se dividiu
; nem a veemência expressa neles da Verdade"

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Chamem os poetas que deixaram a ideia de sofrer - Eduardo Guimarães



ficarei aqui




Eu escolhi escolher um lado da rua.

A minha cruz Senhor, nossas mãos.
É impossível alguém trabalhar sem ter
o direito de infringir a atenção.
Porque quem ama, nunca experimentei
Mas tive sorte por
ser um livro sobre os meus dias de vida
passados numa TV qualquer em
que descobri:

"Bem-aventurados os que se vão,

porque ficarei aqui"

Espero frutos?

Não necessariamente,
Signos, talvez, dos bens porque me comparo.
Tiro a glória da minha mão trêmula.

Chamem o SAMU!!!!

Chamem de mandamentos acima
Chamem os poetas que deixaram a ideia de sofrer.

E como é duro andar na rua:

Vi uma senhora precisando
ser pensante e sentinte a cada momento.
Síndrome de viver. Mas por cima.
Só pra impressionar a outros que sequer gostamos.
Talvez só pra dizer também.

Se for, você pode escrever um livro:

rios, cemitérios, pontes e hospitais.

Já não chamo de viagem para Nárnia

Eu chamaria de ficar, morrendo,
E hoje foi sem pena.

Pra quem quiser, tenho memória sim...

Vocês podem ver...



*pic: Pregador de Muros, foto de Eduardo Guimarães



Bem-aventurados



Bem-aventurados os cegos,
não vão ler este -sermão-?
(não será lançado em braile).

Bem-aventurados os que nasceram,
viveram e se nutriram
para ficar esperando um táxi.

Bem-aventurados os caminhos
de amores que terminam no fim.
Amor, dessa vez foi demais...

Bem-aventurados os que se matam,
mesmo não tendo sido tratados
com o pior dos vinhos...

Bem-aventurados os mensaleiros na cadeia,
terão suas mensagens.
Portanto, se está lendo isso, sinta-se abraçado

Bem-aventurados os que não tem certeza
pra que essas obras estão sendo construídas,
prédios, presídios e estádios.

Bem-aventurados os transitivos sem vírgulas,
sem eco-feminismos, flores, flores,
oh senhor das mais antigas formas de comunicação.
Esta não soube amadurecer.


terça-feira, 13 de maio de 2014

Clube da Vaia



Convocação Urgente:

Dia 16 depois do sarau da cultura 
acontecerá um  sarau-reunião de artistas e
apreciadores no bar Conversa Afinada.

Leve suas preces de salvação e torça para não ser aplaudido. 

As opiniões do contista Nathan - Moacyr Scliar

(Trecho do conto Os Contistas
dedicado - a postagem, é claro, -
 à todos que contribuem
com esta ágora melodramática
vulgarmente conhecida como blog)

(...)
      Ao meu lado, o contista Nathan estava dizendo que nós, os contistas, gememos e rangemos os dentes produzindo nossos contos. Enquanto isto, prosseguia o contista, vamos desprezando os programas de rádio, as novelas de televisão, as colunas sociais, os filmes coloridos, as revistas semanais, os políticos, os funcionários públicos, os colunistas sociais, os novos ricos, os burgueses, os demagogos, os escritores engajados, os lugares-comuns, os sonetos, palavras como desespero, ternura, destino, crepúsculo, coração, alma... E penosamente, continuava Nathan, vamos escrevendo nossos contos. Nossos personagens não tem nome; são apenas ele. "Ele acendeu um cigarro e ficou olhando o teto." Os leitores mais atilados, observava Nathan, sabem que estamos nos referindo a nós mesmos; que estamos dialogando com nossos demônios particulares; que estamos vertendo, de dentro mesmo da alma, um liquido claro e tépido que, exposto à luz crua do mundo, esfria e se turva, e mais: solidifica-se, transforma-se em dura gema, de natureza desconhecida, mas de valor só apreciado por raros conhecedores, criaturas admiráveis. É semelhante à opala. Enquanto esperamos pelo reconhecimento, prosseguia Nathan cada vez mais entusiasmado, nos deitamos em camas sujas, acendemos cigarros e ficamos olhando os tetos. Sofremos as dores de um mundo informe e monótono. Poderíamos engolir, pensamos, este mundo, como se fosse uma pílula minúscula. Por que não o fazemos? Por piedade - ou por medo de constatar que esta partícula é maior do que nossas goelas? Cretinos, bradava Nathan, cretinos é o que somos! Admitamos! Estamos comendo, estamos tendo relações sexuais, estamos respirando como qualquer pessoa  - mas estamos semimortos, zumbis que somos. Só começamos a viver - aí Nathan estava gritando mesmo - ao partejar dolorosamente nossas tristes frases que aí ficam, nas prateleiras, folha de papel após folha de papel, letra ao lado de letra - mas sem se tocarem, estas letras, à espera que estão do aventureiro intelectual, do comprador, entidade que depende diretamente das leis de mercado. oferta e procura! - terminou o contista Nathan.
        Ouvi aquele negócio e fui saindo devagarinho. Juntei-me a um grupo: Milton, Copaverde e Afonso. Veio um fotógrafo e tirou uma foto. Depois quis cobrar. Fiquei possesso; eu pensava que ele era do meu jornal. Não pago nada, gritei, eu devia é cobrar por ter posado. O fotofrafo nos xingou e deixou a livraria. Um a menos, ainda berrei.

(...)


*pic: Camus Argumentando

(...)
        -Alguns contistas - era Nathan de novo - recusam-se a qualquer atividade. Não comem, não bebem, quase nem escrevem. Ficam numa espécie de marasmo, à espera de alguém que lhes diga: Depertai, lúcidos profetas!
 (...) 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Sarau Casa da Cultura: O trabalho nos livra de três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade

Galera! Todos convidados aí para o sarau lítero musical deste mês.

Na área de literatura contamos com José Carlos Balieiro que também estará expondo seu zine: Ode à Crise de 1929.
E com a apresentação de Eduardo Guimarães e Clélio Souza.

Além de exposição dos zines e publicações do grupo Larvas Poesia!


sexta-feira, 9 de maio de 2014

Monstros Alados - Cris Penoni

Translação

Os ponteiros se arrastam

Vejo o 3 
virar 4 
e 5
e 6
e
6
.
Damos feliz Natal
No Ano Novo
Pulando Carnaval
Enquanto jejuamos
Aplaudindo Dom Pedro
Pela Padroeira do Brasil
Proclamando a República.
.
As coisas que existem no mundo: 
o computador, 
a bibliografia, 
o prazo, 
a enxaqueca
 
1 note
Kandinsky

O beijo

A parede beijou o menino
Eu juro que aconteceu
Ele vinha cambaleante
Ele vinha assim meio sem rumo
Ele nem era bonito
(quero dizer, depende do que é que você considera bonito)
Mas a parede viu o menino
E foi amor à primeira vista
A parede ficou louca
Começou a dançar na frente do pobre garoto
E a passos vacilantes
Passos cada vez mais incertos
Os dois chegaram infinitamente próximos um do outro
Ela abraçou o menino
O jogou pra trás
E tascou um beijo
Um bem grande, daqueles de cinema
E agora você vem me dizer que parede não tem sentimento, que parede não beija, que parede não ama? 
Que parede não pode ser sujeito para frase cujo verbo é beijar?

*Raid de Pernilongo! - Clélio Sousa


* RAID: Marca de um multi-inseticida que mata moscas e pernilongos dentre outros insetos.








Agudo calor de verão,
como meu quarto ferve a ser-tão?
Lá fora, a multidão das pragas:
que mais curvas são as pernas,
que as canelas-de-uma-velha.
Senhora!

Indelicados adentram, teme-se o ser alguns,
de qualquer procedência egipciana.
Penas não têm eles, como as têm o meu travesseiro.
Penoso, assiste tudo em compadecimento, e
com suave desprezo, ouve a leve voz da minha consciência,
soando dizeres a todos os terceiros:
"Pena da noite que é polpa:
no pé.... eu jabuticaba,
no galho.... eles degustadores.
Pena da noite que é frouxa:
na colcha... eu manco de sono,
no seio.... eles trépidos de Contini Rivari (safra do outono).
Mas pena maior...
Tenha da noite que é doentia:
no leito.... eu doador de sangue,
na picada.... elas seringas socorridas!"
AH... helicópteros famintos e oboés semitonados;
de noite distrais as sonolências e nas madrugadas destronas o paraíso.
Acheguem todos!
A janela esta aberta, o sistema está ligado,
esperando apenas, sua mensagem sonora
pra eu clicar...
MATAR.

Ato II

Favela - António Tapadinhas

Um par de tetas remexendo no lençol
a da esquerda anda meio confusa
e a da direita contrária a tudo
...
hora de acordar
o leite talhou na geladeira
e um furo se fez na parede
revista na lage
dona Sônia-atordoada
faíscas de gatos~elétricos
e o foguetório
...
lá embaixo
um “boi” na escadaria
espumando
costelas salientes
babando em círculos
esquelético
blindado
...
músculo teso
moscas fuzis
chifres projéteis
patas estalando forte sob o chão

_O bicho vai subir!
      Ele é nacional!
_disse um aviãozinho

O puxador da comunidade
e a morena de codinome “Bela Perdida”
tranquilizam os moradores mais afoitos
_Teremos um açougueiro no próximo carnaval!


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...