quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

BIG PUPA: Lucas Ferreira


Uma poesia que reside entre as marteladas do bebop e a experimentação dodecafônica, entre o cotidiano e a desrealização, assim podemos dizer sobre o trabalho do poeta, músico e marceneiro Lucas Ferreira.
Seu processo poético é semelhante às antigas oficinas mineiras, onde o mestre construía seus objetos através da transformação de peças diversas disponíveis para uma finalidade específica. Aqui, porém, o trabalho é com a linguagem: partindo de fragmentos da vida habitual, Lucas esvazia os significados comuns para encher seus versos de impossibilidades lógicas que atiçam o leitor e onde a preocupação é mais estética que discursiva.
Pausa-
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Não é a poesia pura, a poesia pela poesia. Trata-se da poesia-limite. Seja nos rincões mais podres da cidade, na delicadeza do cerrado mais raro, é o exato limite onde a poesia acontece, onde a síncope desperta, a paisagem se rompe e a serra corta. Tanto faz se é o poema ou se é o homem.
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EPICENO
minhas bananeiras
bateram em revoada
ao salar
Atacama
parando o ali
o comendo a vi
onde esparzindo flechas
viaja orvalho
o bago
de tudo
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XXx
...
de
relance,
uma cabeça de Esparta
vai passeando
amalgamada
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PRONOMES EM TRATAMENTO
Vossa cabeça de viga
Vossa cabeça de asma
Vossa cabeça de gude
Nossa cabeça no talo
Tua orelha de porco
Tua orelha de átomos
Tua orelha cheia de cuspe
sua orelha no pasto
Tua boca situa
Nua boca no ralo
Sua boca de nichos
Tua boca sem lábil
Seu coração de ripa
Meu coração
diacho
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III
é necessário apenas quatro paredes p/
fechar homens num salar
eles s el es le s
sele
lese
agora microbactérias
agora evoluídos
adaptados
de boca fechadas
de olhos esbugalhados
de cu de ferro
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Comentado por
As canetas andam por aí, mas é passo a passo.
Melhor que seja assim, sem vertigem.
...
Vou apenas relembrar aquela viagem pra Tóquio em 96,
luzes
e
samurais espremidos por metro quadrado ____________________________________________
_________________________________________
_________________________________ aquilo sim, foi uma experiência literária!
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9 GRAUS
creio numa parte da velhice
no seu despertar cedo
e rezo baixo pela posteridade
assim quero acordar
às 5
estar de pé
respirando
enquanto os moradores ainda entulhados
sonham
olha lá!
um Matusalém
com as suas lãs camuflantes
cores de pombos
cores de feira
cores da torre da igreja
trajando uma cidade invisível
tal corpo
uma metade meditando
outra passeando a 2, a sós
indo pra missa, pra padaria,
as voltas as voltas as voltas na praça
contornando a si próprio
uma translação estranha
nas proximidades asperas
do sossego
olha ele
comentando o cafézinho
um culto a alma persistente
a mão direita trêmula
onde o signo agora descansa
na sua frase de efeito:
poucos homens conhecem o "arrebol"
aquele andarilho rarefeito
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VIRADO DE MESA
II
agora o branco isopor esfarelado
e inúmeras bolinhas leves
tocadas pelo mormaço
saltam avante pela rua
III
será que um dia
para trás do bloco
os foliões
seguirão ou darão voltas?
(...)
no retornar
precisarei desfazer de algumas articulações
lançando-as com força para fora do vagão
IV
daí o ato do futuro
as próteses capotando pelos trilhos
o metálico e o coro
a umidade oxidando aquele zinco
us anos luz
V
aquela paixão louca
o bate-estaca
a neurose e seu peso de farinha
o medo esperando o paciente
VI
aperto bem a presilha
e o salto
é um mergulho numa sopa
de batatas macarrão e porco
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