Sempre fingem saber quem eu sou, ou fingem que eu não sei quem são. O personagem de Marlon Brando fala isso em O Último Tango em Paris, o espetacular filme de Bernardo Bertolucci, filme vituperado pelas feministas contemporâneas. Penso que se as feministas do passado soubessem que as feministas de hoje alvejam sabotar filmes dos anos 1970, filmes do Woody Allen e livros do Nabokov elas ficariam nauseadas. E o pior, o meio intransigente de protestar, sempre mostrando os seios, como se fosse algo redentor sair por aí com as tetas para fora, "olha como sou empoderada". É isso que eu penso após acordar, olhando pro teto, como um Descarte pós-moderno.
Dou uma olhada ao redor, vejo meu alvo em cima da escrivaninha: meu maço de Marlboro. Levanto de supetão, abro o maço, vazio, filho da puta, por que eu não joguei essa porra no lixo?
É manhã de domingo, decido ir à banca comparar outro. Pego a carteira, o isqueiro, esnobo o celular. Moro no centro de Juiz de Fora. A primeira coisa que eu vejo ao sair de casa é um mendigo, há mendigos em todos os lugares, cagando, mijando, outro dia mesmo vi um se masturbando. Ele estava se masturbando em plena tarde, meio escondido, encolhido em num canto, estava de olhos fechados, não me lembro da última vez que me masturbei sem estar assistindo a um filme pornô. Inequivocamente, o mendigo é mais criativo que eu.
Meus passos são inseguros, não ando rápido, nem devagar, observo timidamente as pessoas que passam por mim. São tantos rostos, tantas pessoas, tantas histórias, tantas angústias. Com efeito, por que a prepotência é um defeito? Somos um em mais de sete bilhões, ninguém significa mais do que ninguém em escala cósmica. Empatia é realmente fascinante, um sentimento austero, não obstante, creio que se alguém for empático com sete bilhões de pessoas ou essa pessoa enlouquece, ou comete suicídio.
Escrever é tão banal. Penso aleatoriamente. Nem concordo com o que penso, apenas penso e escrevo o que penso.
Estão ansiosos, não consigo ter ideias novas e originais, eu ainda sou jovem, talvez essa não seja a hora de eu começar a escrever, vi tão pouco, amei tão pouco, senti tão pouco. É por isso que não escrevo com frequência e quando escrevo é pouco, é raso, é trivial. Tanto tema pertinente para s escrever sobre: o povo brasileiro vive um péssimo momento, nosso presidente é o Michel Temer; cresci numa casa de negros trabalhadores e nunca escrevi sobre eles; casos de feminicídio todos os dias no jornal. Tantas iniquidades, tanto sofrimento, tanta pobreza, tanta violência, eu deveria escrever sobre coisas importantes, histórias devastadoras sobre miséria, exploração do proletariado, sobre a infância de minha mãe. Mas eu escrevo sobre mim, sobre o patético, desinteressante e limitado eu indo comprar a porra de um maço de cigarros num domingo sem graça.
Enfim, chego à banca. Bom dia. Um Marlboro. Vermelho. Antes de sair dou uma olhada nos quadrinhos, antigamente eu gostava de quadrinhos. Mas meu senso crítico os transcendeu. Leio Hilda Hilst, leio Dostoiévski, leio Mishima, leio Duras, assisto Angelopoulos, assisto Tarkovsky, assisto Hong Sang-Soo, assisto Apichatpong Weerasethakul, histórias em quadrinhos são uma ofensa ao meu intelecto. Me reconheço, sou um merdinha arrogante, ligeiramente intelectual, um pouquinho culto. Critico quadrinhos, mas li Daytripper há praticamente um ano e achei absurdamente bom, foi a primeira vez que reconheci quadrinho como arte. Já tinha lido Alan Moore e Art Spiegelman, porém nada comparado à Daytripper.
Eu, particulamente, não compraria um livro de um escritor - muito menos poeta - que nasceu em 1997, porque já existem tantos livros e tão pouco tempo para lê-los. Essa é apenas uma das minhas hipocrisias: nasci em 1997, quero publicar livros, mas é provável que eu jamais compre um livro de um escritor - muito menos poeta - que nasceu em 1997.
Saio da banca, rasgo o plástico do maço, pego um cigarro, tento acender, mas meu isqueiro falha. Toma aqui. Um hippie no parque Halfeld me oferece um isqueiro. Aceito. Acendo. Amigo, me dá um cigarro. Claro.
Pedro Henrique