tradução: Haroldo de Campos
Como se você andasse na neve. E você andou na neve.
E os ursos se ergueram contra você. Urso-Pai. Ursa-Mãe. Filhote
E você correu com todo o fôlego. Esteve a ponto de cair.
E a cada minuto o pavor de todo um milênio.
E agora você está aqui. Anos se passaram. Passaram.
Os belos ursos se foram. Se foram. Voltarão?
Esta noite no jardim truncaram-se ramos de pinheiro.
E as árvores verteram sangue e lágrimas.
As coisas são assim. Somos jovens.
E milhares de anos de memória.
Veja como as figuras - todas - se perfilam à janela
em fila. Nenhuma distante. Nenhuma próxima
(pic: desenho hiper-realista de Paul Lung)
nas trevas
se me apontam: pedra
e eu digo: pedra
eles dizem: pedra
se me apontam: árvore
e eu digo: árvore
eles dizem: árvore
mas se me apontam: sangue
e eu digo: sangue
eles dizem: tinta
se me apontam: sangue
e eu digo: sangue
eles dizem: t i n t a
Um poema para os dias de antagonismos angustiantes em que vivemos...
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