sexta-feira, 18 de setembro de 2020

(-)

 (-) o cheiro úmido das coisas que falam em silêncio


o orvalho sorve o concreto das paredes &

mais de quarenta anos

& os sonhos seguem inalcançáveis

a casa não deu,

namorado, emprego, beleza se vai,

as dúvidas sem boca

o gosto agridoce do sexo

as soluções sem conteúdo (das informações reproduzidas)

a cartilagem débil de sentir

& a luta entre ter ou ser dos moluscos no óleo

& o orvalho 

sorvendo o concreto das paredes




(-) reencontro


antigamente era simples

todo mundo se comia depois ia embora

hoje

você aqui na minha cara (neste apartamento)

eu viro mosca

& procuro uma fruta podre onde me esconder




(-) reencontro II


a nossa poesia sucumbiu

ficou

miúda de tesão



(-) os revolucionários também sabem ser caretas


esfaqueamos o rei & nas mãos ficou sangue

traímos 

tudo o que podíamos

até que o mofo cresceu nas cicatrizes

& a vida virou a bunda murcha no cabaret da travesti cansada



(-) memórias do nosso apartamento que resolvi esquecer debaixo da cama porque o banal do cotidiano é o maior continente da alma &depois da casca das feridas há névoa


o gato roçando a geladeira

(& você lavando louça)




(-) a beleza inaudível das coisas é arte


parece uma égua

abaixando-se para a água no bebedouro público

roupas coladas de suor

& os cabelos azucrinados do sol em seus olhos


Guilherme Paiffer Pelodan



                                        Kouřící žena




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