De modo compulsivo,
minha irmã postava fotos e mais fotos do corpo esbelto, bem definido, seguidas
de frases prontas sobre sua rotina de treino e os fatos banais de sua vida
cotidiana. Três anos mais nova e dez quilos mais magra, Larissa era uma
celebridade das redes sociais com seu meio milhão de seguidores; eu era a
garota tímida, acima do peso, com o rosto pipocado de espinhas, um perfil
irrelevante, sem status, sem curtidas. Brigávamos com tanta frequência que a
única maneira de manter a paz era evitar qualquer conversa. Assim fizemos por
dois anos consecutivos até o dia do acidente que nos separou de vez e para
sempre.
Enquanto eu me matava
de estudar para ingressar numa universidade renomada, minha irmã se esforçava
na busca do físico perfeito. Entre suas amigas de academia, não se falava outra
coisa; a mesma devoção que as beatas dedicavam aos assuntos da alma, elas
dedicavam aos assuntos do corpo. Falavam entusiasmadas sobre dietas, tabelas
nutricionais, treinos de intensidade e da superação dos vícios em guloseimas
hipercalóricas. O corpo de Larissa era uma ferramenta de marketing na busca
incessante de novos seguidores.
Muitas vezes, meus
pais se queixavam do tempo que Larissa gastava nas redes sociais. Minha irmã
estava sempre com o celular, fosse no banheiro ou na hora das refeições.
Raramente era possível falar com ela sem ser interrompido por uma notificação.
Um dia, andando com
fones no ouvido, ao conferir uma mensagem, Larissa não se deu conta de que o
sinal havia fechado. O motorista do ônibus freou, mas era tarde demais. No
asfalto, o rosto lindo e o corpo esbelto tão bem-cuidado ficaram
irreconhecíveis.
Minha irmã foi velada
com o caixão fechado. Houve uma grande comoção nas redes sociais. Os seguidores
fiéis de Larissa inundaram seu feed com postagens de carinho e
despedidas.
Em casa, minha
família agonizava em silêncio, sufocada em lágrimas naquele estágio do luto em
que a morte, de tão inesperada, parece irreal. Enquanto minha mãe fortaleceu
seu vínculo com a religião, meu pai procurou alívio na bebida, e eu me senti a
pessoa mais culpada do mundo pelas brigas constantes que tinha com minha irmã.
Uma semana depois do
velório, no meu feed do Instagram, apareceu uma postagem de Larissa. Era
uma foto na academia, tirada provavelmente uma semana antes de sua morte,
seguida pela legenda: “A vida passa, a morte chega, mas estarei sempre com
vocês, meus queridos.”
Seus seguidores, é
óbvio, também não acreditaram na mensagem absurda. A postagem causou muita
revolta. Fiquei indignada e logo dei início ao processo de exclusão da conta.
Quando preenchia os dados solicitados, anexando documentos de comprovação de
parentesco e óbito, o perfil enviou uma mensagem.
“Não me apague, por
favor.”
“Quem é vc?”
“Sou eu, a Larissa.”
“Vou desativar essa
conta. Minha família e a memória de minha irmã merecem respeito”, digitei,
apressada, com as mãos trêmulas de raiva.
Minha mãe também
tinha visto a postagem e veio me contar que alguém estava usando o perfil de
Larissa.
— Filha, pelo amor de
Deus, essa gente não respeita nem o luto de uma mãe — lamentou revoltada,
pedindo para que eu desse um jeito de apagar o perfil.
— Não se preocupe,
mãe, logo a conta será excluída. Estou preenchendo os dados, é um processo
burocrático.
— Queria saber quem é
o desgraçado que está fazendo isso! — exclamou meu pai, não se contendo de
raiva.
Enquanto nos
queixávamos da injúria, o perfil deu início a uma live. Em poucos
minutos, milhares de seguidores acompanhavam a transmissão, todos tão
indignados quanto nossa família. Meus pais sentaram-se ao meu lado, no sofá,
diante do meu notebook. A live estava sendo transmitida de um local
escuro. A sombra oculta disse com a voz idêntica à de Larissa:
— Boa noite, meus
amores! Acharam que eu ia abandonar vocês? De jeito nenhum. Não deixem de
seguir meu perfil, continuem curtindo e compartilhando minhas postagens.
Estarei sempre trazendo conteúdo novo para vocês! — A voz fez uma pausa e
acrescentou: — Queria que minha família participasse desta live.
Minha mãe levou a mão
ao peito, tremia e chorava sem parar. Meu pai permanecia imóvel com os olhos
arregalados, como se tivesse ouvido um fantasma.
— É a voz da Larissa,
eu tenho certeza. É ela... Deixa eu falar com a minha filhinha — suplicou minha
mãe, caindo num choro desesperado.
— Não, mãe — disse,
me contrapondo. — Isso é alguma brincadeira de mau gosto.
— Mãezinha —
continuou a suposta voz de Larissa —, lembra a última coisa que a senhora me
disse antes do acidente? Pediu para eu não me esquecer de comprar seu remédio e
explicou o que estava escrito na receita, porque a letra do doutor César é um
garrancho, pior que a letra do meu pai.
Minha mãe implorou,
queria de qualquer jeito conversar com a filha falecida. Eu continuava cética,
mas acabei mandando um “oi” a fim de mostrar que estava lá e aceitei o convite
para participar da live; tudo o que eu queria era desmascarar a
impostora.
— Oi, família! —
disse a voz com satisfação quando aparecemos na tela. — É bom ver vocês de
novo. Não fiquem tristes. Quero ver minha família unida, como na noite do
velório, em que vocês dormiram abraçados na mesma cama. Lembrei quando a gente
era pequena e invadia a cama da mãe e do pai com medo de espíritos.
Nesse momento,
estremeci de horror, só a Larissa poderia saber desses detalhes íntimos da
nossa vida familiar.
— Filha, minha
filhinha, a gente sente muito sua falta — disse minha mãe, emocionada. — De
onde você está falando? Está no Céu?
A voz não respondeu.
— Filha? — insistiu
minha mãe.
— Não estou no Céu
nem no Inferno. Estou aqui no Instagram e aqui vou ficar para sempre. A única
coisa que eu peço é que não apaguem meu perfil.
Os seguidores de
minha irmã haviam se convencido do milagre e digitavam entusiasmados:
“Larissa vive! Deusa
do Instagram! Nós te amamos!”
— Não, filha, essa
não é a vontade de Deus — disse minha mãe, procurando força em sua fé. — Você
precisa ir para onde vãos as almas. Por favor, Larissa. Eu rezei muito por você,
aqui não é mais seu lugar.
— É verdade, filha.
Você precisa descansar em paz — concordou meu pai, segurando a mão trêmula de
minha mãe.
— Não! — gritou minha
irmã como se soltasse um rugido feroz. — Se apagarem meu perfil, nunca vou
perdoar vocês!
Em seguida, Larissa
encerrou a live e nos bloqueou.
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