terça-feira, 27 de abril de 2021

Casas que não a minha




Saí de casa, devidamente vestida e paramentada para o cenário de epidemia que nos acomete. Sair sendo sempre aquela correria planejada. Fazer tudo que se precisa pros próximos 15 dias, tempo máximo previsto: duas horas. Após calibrar os pneus da minha Biz cansada, seus pneus murchos da tristeza da inutilidade, a primeira parada do rolê.
Uma casa de gente jovem, plantas em vasos e estantes de livros numerosos. Distante e brevíssimo contato presencial humano com alguém com quem não vivo. E já corre, que é preciso fazer tudo antes que chova.
Segunda casa. Paro em frente, buzino, interfono (será a casa 1?), mensageio. Dois trabalhadores da Copasa fazem uma obra nessa rua e o mais velho me avisa:
- Tem gente aí não, moça. O dia inteiro a gente não viu ninguém.
Na caixa dos Correios vários papéis promocionais de supermercado.
- Mas o Maps indicou aqui, só não sei qual das casas... Não devem tá saindo porque tão em isolamento – digo, triste porque é justo aquilo que esses dois trabalhadores não podem fazer.
- É república, tá desocupada.
Me vejo obrigada a recorrer à ligação. Atende, a casa é mais embaixo. Percebo que tem república e tem mais casas, um condomínio azulejado, varandas meio escondidas de mim e do sol.
O cara com quem tenho assunto a tratar me recebe. Entro no portão e me deparo com um sobrado, área de jardim e uma piscina de azulejos amarelos. Pequena e amarela. Jamais tinha eu visto uma piscina amarela.
Dentro de uma janela do térreo, lavando louça, uma senhora me vê chegar.
- Boa tarde! – eu digo.
Sem resposta, ela abaixa os olhos. Resolvo meu breve assunto e, antes de seguir ao portão acompanhada por quem me recebeu, grito:
- Boa tarde pra senhora! – ela continua a lavar a louça, não me responde nem me vê. Não quer me incomodar me vendo nem exibindo sua existência? Ali, naquele lugar amontoado de coisas, lugar que não lhe pertence.
Estranho, que conheço a mãe do sujeito que fui ver e no fundo sabia que dela não se tratava, mas demorei a me atinar.
- Acho que essa senhora não me ouviu me despedindo.
- Ah, a Eva... – e ele me dá um meio sorriso, não explicações. Sem graça?
Saí da casa sentindo o quase olhar de Eva atrás das costas.


 

Cynthia Oliveira




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